Uma volta no quarteirão

Calor. Ele é tanto que há mariposas voando pelas cabeças das pessoas, e não em torno de um objeto luminoso. Não há mais o sol pesado. Um vento suavemente gelado bate pelos ombros, como quem oferece uma folga. Diz um ascensorista que trabalha no prédio localizado na rua Cunha Gago, número 412, que mariposas e outros tipos de bichos de luz anunciam chuva – mas não há sinal de umidade. Dezenas de pessoas descem de um ônibus que estaciona num ponto no final da avenida Cardeal Arcoverde. Elas olham as parafernalhas que uma loja empoeirada de 1,99 oferece. Uma, dez, vinte, trinta cabeças mariposentas. Perde-se a conta. Ninguém desvia. Ombros se encostam. De longe, três homens obesos aguardam clientes para a noite que vai começar num puteiro. Um deles carrega uma lista na mão. Uma mulher abre a porta do lugar e esbraveja alguma coisa. Ao mesmo tempo, dois homens falam, em voz bem alta:

– Mas amanhã é quinta, não é? Ainda bem que é quinta!

Quinta ou sexta, tanto faz. O que importa é o calor. A cidade fede quando está quente. Há cheiro de suor. De esgoto. De bafo. De perfume enjoativo. De salões de cabeleireiros sujos. De poeira. De ruas lotadas de papéis com propostas imobiliárias. De álcool. De café passado e pão na chapa queimado. De óleo velho e coxinhas encharcadas. De fezes de cachorro espalhadas pelo chão. No calor, São Paulo coloca todos os seus demônios para fora. Um estacionamento enfrenta seu horário de pico às 18h30: são muitos os carros que saem em busca da mesma avenida. Para os pedestres, a calçada deixa de existir. Nenhum motorista espera. Nenhum funcionário das empresas nos arredores da avenida Pedroso de Morais espera também: os bares e as padarias estão cheios de engravatados e mulheres de salto. Em uma panificadora na esquina da avenida Pedroso de Morais com a rua Teodoro Sampaio, onde um grupo de homens divide uma garrafa gelada, um jovem de aliança prata na mão esquerda aparenta sofrer de cansaço acumulado. Enquanto lava pratos sujos, olha conformado para o ambiente em que está. Deve constatar o mesmo que eu: essas mariposas não vão embora.

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